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América Latina produz 1,5 bilhão de pares de calçados

Indústria do continente vem trabalhando a integração para incremento da competitividade

Segunda maior região produtora de calçados do mundo, fora da Ásia, com mais de 1,5 bilhão de pares produzidos em 2022 (7% da produção mundial), a América Latina vem se notabilizando pela integração crescente entre as indústrias do setor. O fato ficou evidente durante a realização do Fórum Latino-Americano do Calçado, nos últimos dias 22 e 23 de junho, em Cúcuta/Colômbia. Na oportunidade, representantes das principais câmaras e associações de calçadistas do continente puderam trocar experiências, discutir pautas comuns e falar dos desafios do mercado mundial de calçados, especialmente diante da competição desleal com as produtoras asiáticas.

Brasil
O presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, que participou do fórum ao lado do presidente do Conselho, Caetano Bianco Neto, e do gestor de Projetos da entidade, Cristian Schlindwein, destaca que o encontro foi importante para estreitar laços da indústria da região. “Temos muitas pautas em comum, como a concorrência desleal com países asiáticos, o problema das plataformas digitais e a desestruturação do varejo, a sustentabilidade, entre outras. O encontro foi importante para as associações discutirem, em conjunto, formas de melhorar a competitividade da indústria calçadista no continente”, ressalta o dirigente. Representando a maior indústria da região, que produziu 849 milhões de pares no ano passado, dos quais 143 milhões foram exportados, Ferreira adianta que o próximo Fórum Latino-Americano do Calçado será realizado em maio de 2024, em São Paulo/SP.

Ferreira conta que um dos temas mais discutidos no evento foi a concorrência desleal com as indústrias asiáticas, principalmente da China. “Apesar de ser um problema comum nos países latino-americanos produtores de calçados, apenas Brasil, Argentina e Peru mantêm mecanismos de defesa antidumping contra o calçado importado da China”, ressalta o executivo, destacando que as indústrias atuam nos seus mercados para proteger sua produção, mas que nem sempre existe sensibilidade governamental.

No Fórum, o gestor de projetos da Abicalçados, Cristian Schlindwein, apresentou o programa Origem Sustentável, o único a certificar empresas da cadeia produtiva do calçado com práticas ESG no mundo. “Mostramos o protagonismo brasileiro em sustentabilidade não somente na América Latina, mas no mundo. Temos uma indústria sustentável, nos pilares ambiental, econômico e social, e todas as condições de sermos referência internacional na produção de um calçado ecologicamente correto e produzido a partir de processos que respeitam os direitos humanos. As práticas ESG, além de sua relevância ambiental e social, podem trazer ganhos de competitividade, especialmente diante do calçado asiático, que não tem esses atributos cada vez mais relevantes para o consumidor internacional”, comentou o gestor, ressaltando que já são mais de 100 empresas certificadas ou em processo de certificação.

México
Maurício Battaglia, presidente da Câmara das Indústrias de Calçados do Estado de Guanajuato (CICEG) e da Câmara Nacional da Indústria de Calçados (CANAICAL), do México, ressalta que o Fórum é uma ferramenta para estreitar as interrelações entre as indústrias dos países, contribuindo para o crescimento comum. Segunda maior indústria de calçados da América Latina, tendo produzido 203 milhões de pares no ano passado, crescimento de 7,9% ante 2021, a indústria mexicana ainda busca a recuperação diante dos impactos da pandemia de Covid-19. “O ano de 2021 foi de uma recuperação irregular e em 2022, apesar dos desafios, tivemos um crescimento. Mesmo assim, ainda estamos 17% abaixo dos níveis de 2019”, comenta.

Segundo o dirigente, atualmente o principal problema enfrentado pela indústria mexicana é a concorrência desleal de importações a valores extremamente baixos. “Em 2010, nossa participação no PIB da indústria era quase 0,7% e hoje é pouco mais de 0,4%. A concorrência desleal, que coloca no mercado calçados abaixo do custo de fabricação, vem prejudicando muito o setor”, pontua.

Para Battaglia, o Fórum Latino-Americano teve êxito no sentido de que contribuiu para discutir mecanismos de proteção realizados em outros países com relativo sucesso. “Foi muito importante os encontros todos os presidentes das câmaras de calçados da América Latina e saber que todos estão combatendo a ilegalidade em seus países. Estamos formando um bloco latino-americano do calçado, que certamente acelerará o desenvolvimento das nossas indústrias”, acrescenta, ressaltando que as importações de calçados no país, no ano passado, alcançaram 127 milhões de pares, 31,6% mais do que em 2021. “Hoje, mais de 40% do que é consumido no México é importado”, frisa o executivo.

Outro tema comum entre a indústria mexicana e a brasileiro é a sustentabilidade. Assim como no Brasil, Battaglia conta que as câmaras do México lideram esforços para criar uma cultura ESG nas indústrias locais. Segundo Battaglia, entre as ações, nos pilares ambiental e social, estão assessorias de consultorias, promoção do uso de adesivos à base d´água, desenvolvimento de códigos de ética entre fabricantes e fornecedores, entre outros.

Argentina
O secretário-executivo da uma das câmaras de calçados mais tradicionais do mundo, a Câmara da Indústria de Calçado (CIC), da Argentina, Horacio Moschetto, destaca que a entidade participa do Fórum há mais de 20 anos. “O evento proporciona que tenhamos mais conhecimentos sobre os mercados do continente, auxiliando na elaboração de uma estratégia comum de desenvolvimento”, diz.

Com uma produção estimada em 130 milhões de pares (2022), crescimento de 22% ante 2021, a Argentina possui a terceira maior indústria de calçados da América Latina. Com medida antidumping contra o calçado importado da China, a indústria local se mantem fortalecida e conta com o apoio oficial para controles aduaneiros e mitigação de manobras de evasão fiscal. “Temos antidumping contra a China desde 2010 e temos tido êxito”, comenta.

Segundo Moschetto, assim como nos demais países latino-americanos, tem aumentado o interesse por práticas sustentáveis na Argentina. “Existe um desejo de aumentar a implantação dessas questões não somente na indústria de calçados, mas em todas as demais. Particularmente para a indústria do setor, estamos trabalhando junto aos empresários e autoridades nacionais, mas ainda estamos no início do processo”, destaca o dirigente, acrescentando a importância de certificações como o Origem Sustentável, para atestar práticas efetivamente responsáveis econômica e ambientalmente.

Colômbia
País anfitrião do Fórum, a Colômbia, no setor, é representada pela Associação Colombiana de Industriais de Calçado, Couro e Manufaturas (Acicam). O presidente-executivo da entidade, German Gonzales, destaca a importância do encontro das câmaras para debater experiências e soluções conjuntas que visem fortalecer o bloco do calçado nos países. “O Fórum é um momento de compartilhar experiências com associações dos países membros e também para mostrar a força econômica e social da indústria do calçado na América Latina”, comenta.

O vice-presidente da Acicam, Wilian Parrado, acrescenta que o Fórum foi importante no sentido de debater soluções cooperativas para problemas comuns das indústrias calçadistas do continente. “Temos que fomentar as indústrias locais, diminuindo a dependência do mercado asiático”, diz. Segundo ele, problemas como contrabando e importações subfaturadas são realidades na Colômbia, o que não é diferente nos países parceiros. “Precisamos fortalecer a comunicação entre as nossas aduanas e adotar estratégias em conjunto para frear a informalidade e a concorrência desleal em nossos países”, acrescenta.

Parrado diz, ainda, que a Acicam estuda criar mecanismos de certificação em sustentabilidade, a exemplo do Brasil. “Aprendemos muito com a apresentação do Origem Sustentável. Hoje, a sustentabilidade é uma exigência não somente do Governo, mas também de investidores privados”, destaca o dirigente.

Com uma produção estimada em 54 milhões de pares, a Colômbia possui a quarta maior indústria de calçados da América Latina. Tendo sofrido com a pandemia de Covid-19, o país teve surpreende recuperação no ano passado (+20%). “Neste ano, no entanto, estamos sofrendo um efeito rebote, com uma queda de 6,2% somente no primeiro trimestre”, conta Parrado. Segundo ele, atrasam o desenvolvimento da indústria local, além do contrabando e das importações de calçados subfaturados, a inflação interna, a alta taxa de juros e as incertezas econômicas.

Accal
O coordenador da Agrupação de Câmaras de Calçado da América Latina (Accal), que também preside a Câmara de Calçado da Argentina, Daniel Risafi, destaca que a indústria calçadista desempenha um papel significativo na economia latino-americana. “Não é apenas uma fonte crucial de geração de emprego e renda, mas também impulsiona o desenvolvimento econômico e fomenta a inovação na região”, diz. Segundo ele, a indústria do continente vem ganhando destaque no comércio internacional, pois desenvolveu uma forte base de exportações, aproveitando seus recursos naturais e habilidades artesanais.

Segundo Risafi, a concorrência desleal do calçado chinês é um dos problemas comuns enfrentados pela indústria de calçados na América Latina. “O tema foi bastante debatido durante o Fórum. Não é só a indústria local que corre riscos quando entram calçados subfaturados, mas o próprio consumidor, pois são produtos sem qualidade e que não respeitam o meio ambiente”, diz o dirigente, ao acrescentar que a troca de experiências do Fórum foi muito importante para a indústria do continente, especialmente porque indústrias que possuem mecanismos de defesa, como Argentina, Brasil e Peru, puderam contar os seus caminhos para adoção de ferramentas de proteção.